O Essencial sobre Michel de Montaigne, de Clara Rocha, e Uma Admiração Pastoril pelo Diabo (Pessoa e Pascoaes), de António Feijó, foram distinguidos ex aequo com o Prémio Jacinto do Prado Coelho.
O Prémio Jacinto do Prado Coelho, no valor de 5000 euros, é atribuído pela Associação Portuguesa dos Críticos Literários, com o apoio da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), e destina-se a galardoar o mérito de uma obra de ensaio literário em língua portuguesa.
Partindo do princípio de que não sabemos à partida quem somos, o autor dos Essais [Michel de Montaigne] está sobretudo interessado na particularidade de cada ser, na figura singular dum eu que não se pode comparar com nenhum outro. Diante da inconstância de tudo o que existe à face da terra, e ele próprio instável e diverso por temperamento, tem a consciência clara de que esse eu é tão difícil de apreender que nunca se esgota no gesto de o experimentar (essayer) ou explorar. E di‑lo por meio de um símile de extraordinária beleza, o da água que foge por entre as mãos (…)
O momento crítico da vida de Pessoa é, como sabemos, o dia 8 de março de 1914. Nesse «dia triunfal», tal como o descreve na conhecida carta a Adolfo Casais Monteiro de janeiro de 1935 sobre a génese dos heterónimos, Pessoa aproximou‑se de uma cómoda e escreveu em pé, como escrevia sempre que podia, uma sequência de trinta e tal poemas. Abriu com o título O Guardador de Rebanhos e, quando concluiu a sequência, de imediato a assinou com o nome do autor dela, entretanto em si surgido, Alberto Caeiro. Desculpando‑se do absurdo da frase, Pessoa diz que aparecera em si o seu Mestre.
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A mais incisiva descrição da génese dos heterónimos de Pessoa encontra‑se não na carta a Adolfo Casais Monteiro, mas nas Notas para a Recordação do Meu Mestre Caeiro, de Álvaro de Campos. Este texto admirável é a transcrição de várias intuições de Álvaro de Campos e do simpósio platónico que ele entreteve com Ricardo Reis, Alberto Caeiro, António Mora e Fernando Pessoa. Se, na carta a Adolfo Casais Monteiro, Pessoa descreve a génese em si das figuras dos heterónimos, as Notas de Campos descrevem o mesmo processo do ponto de vista deles, relatam como eles o encontraram a ele, Fernando Pessoa. E, de facto, ninguém poderá ter conhecido melhor Pessoa do que eles (no sentido em que, como pretende Teixeira de Pascoaes, ninguém conheceu Shakespeare como Hamlet). Numa das suas Notas, entretendo um outro paradoxo aparente, Álvaro de Campos diz que Fernando Pessoa «não existe, propriamente falando». E prossegue, contando o que teve lugar em 8 de março de 1914: Alberto Caeiro viera a Lisboa durante uma semana, Pessoa encontrou‑o nesse dia, e ouviu‑o ler o «Guardador de Rebanhos».