Ele poderia ter sido um James Bond. Melhor: ele foi um James Bond. Só que, em vez de moçoilas envolventes e fugas inopinadas, ele andava munido de um papel, uma caneta e talento.
Kapuściński era polaco. Nasceu em guerra, cresceu na ditadura e fugiu não para a paz mas para outras guerras e ditaduras. Foi, durante décadas, repórter para a agência de notícias polaca. E, dizia ele, cobriu dezenas de revoluções que lhe valeram algumas condenações à morte – comutadas, bem se vê, que morreu de «morte natural» (não que saiba eu o que é morrer de «morte artificial») há uns anos. Pouco tempo antes de ganhar o Nobel da literatura, digo eu. A vitória de Svetlana Alexievich foi a de Kapuściński. E só não foi dele porque tinha morrido, sabe-se isso.
«Mas um repórter a ganhar o Nobel?», perguntar-se-ia. O problema – ou a solução – é que ele não era «só» um repórter. Era um escritor de mão-cheia. Um ficcionista como poucos. Poderemos intuir que isso possa ter contaminado as reportagens. Concedo. Mas em tempos de factos alternativos por razões políticas, o quanto desejo eu que alguém me tenha oferecido factos alternativos por razões literárias…
Em Portugal, Kapuściński foi (mal) publicado pela Campo das Letras. O Império, Ébano, Mais Um Dia de Vida – Angola, 1975, Heranças com Heródoto. E O Imperador, que é o meu favorito. Um livro que nos traz um retrato claro e nebuloso (como só a literatura consegue) de Selassie, imperador e ditador etíope.
Era deste último que eu ia comprar os direitos para publicação portuguesa, tentando dar‑lhe na Casa dos Ceifeiros (uma chancela onde edito os «meus» livros), uma edição que a Campo das Letras nunca deu.
Pois bem, a Livros do Brasil resolveu ir buscar o Ébano e, com ele, ficou com os direitos de opção – assim como os jogadores de futebol – para os restantes. E eu imagino – com a edição que tenho em mãos deste – o que será O Imperador em breve. Não gosto, claro. Detesto, até. Que não o possa publicar na minha Casa. Porque de resto, só posso ficar feliz: a edição é lindíssima, cuidada, atenta. Como nunca teve o senhor Ryszard em Portugal, o que só vem possibilitar mais leitores.
Obrigado, Manuel Alberto Valente e São José Sousa, por me terem tirado a possibilidade de o ter na minha Casa para o ter em minha casa tão bem feito.
- Ébano de Ryszard Kapuściński, com tradução de Maria Joana Guimarães.
Publicado em setembro de 2017 pela Livros do Brasil, depois de impresso no Bloco Gráfico da Porto Editora.