Destinada a um público vasto, em que cada volume é revisto e apresentado por um especialista na matéria, a Imprensa Nacional e a editora Companhia das Ilhas dão assim um contributo decisivo para a divulgação e o conhecimento da obra de um dos escritores que ficarão para a história da literatura portuguesa do século XX: Vitorino Nemésio.
A coleção «Obra Completa de Vitorino Nemésio» tem direção literária de Luiz Fagundes Duarte. O presente volume conta com uma Nota Editorial de autoria de Cláudia Cardoso.
Ondas Médias regista textualmente os primeiros acordes voláteis do grande comunicador através das ondas hertzianas, mais tarde confirmados no palestrante do programa televisivo «Se bem me lembro». A ironia que o título indicia, sugerindo uma inevitável mediania, tem lastro posterior com o autor a considerar que «estas palestras, escritas para o microfone da Emissora Nacional de Radiodifusão, levam no título hertziano de ‘ondas médias’ uma intenção simbólica da sua radical mediania». Trata-se, portanto, de palestras literárias, emitidas no início dos anos de 1940, no contexto de uma Europa em guerra, num país em plena ditadura, dominado pelo medo e pela censura, e dirigidas a um público debilmente habilitado à sua integral descodificação. Porém, este público fiel ouvia atento crónicas que, na sua essência, recuperam figuras da história e da cultura nacionais, contrariando tendências e modismos e até, provavelmente, o interesse dos ouvintes. A questão não era o assunto, era a forma. Como comunicador, Nemésio gerava interesse mesmo sobre o mais desinteressante assunto, na emissão radiofónica no «Ciclo de Cultura Popular», superando em audiência as «Conversas em Família» de Marcello Caetano, entre 8 de janeiro de 1969 e 28 de março de 1974. As emissões prolongaram-se entre 26 de abril de 1942 e 15 de novembro de 1944, pelo menos, de acordo com os carimbos da emissora nos originais datilografados pelo autor; por mais de dois anos, portanto.
(…)
Em 1945, quando publica Ondas Médias, o autor tem 44 anos e uma carreira consolidada na Universidade, tendo obtido o grau de professor catedrático três anos antes; recebe, neste ano, o Prémio Ricardo Malheiro da Academia das Ciências de Lisboa; e publica a segunda edição de Mau Tempo no Canal. Nove anos depois, em 1954, quando publica O Segredo de Ouro Preto e Outros Caminhos, dá-nos conta do fascínio pelo irmã-atlântico e da necessidade de uma plataforma de entendimento luso-brasileiro.
(…)
O Segredo de Ouro Preto e Outros Caminhos, publicada (com uma tiragem de 40 exemplares) em 1954, nove anos depois, portanto, de Ondas Médias, é dedicada, na sua 1.ª edição, a José Manuel da Costa e a Augusto Meyer, e abre com um antelóquio, que precede as diversas jornadas: as cariocas, a paulista e as baianas. Trata-se, igualmente, de uma obra que reúne dispersos, incluindo crónicas publicadas no Diário Popular e emitidas na Emissora Nacional de Lisboa, numa compilação que resulta do périplo brasileiro do escritor, por diversas cidades: Rio de Janeiro, São Paulo e Baía, revelando que a sua ligação ao Brasil não era estritamente académica e cultural, mas era, sobretudo, afetiva. Este livro é uma compilação de textos de diversas proveniências, incluindo poesia, romanceiro e crónica. Parte dele — os dez poemas da secção «Romanceiro da Baía» — transitou posteriormente, com ligeiras alterações, para Nem Toda a Noite a Vida (Lisboa, Ática, 1952), depois para Violão de Morro / Nove Romances da Bahia (Lisboa, Edições Panorama, 1968), e, finalmente, para Poemas Brasileiros (Lisboa, Bertrand, 1972), sob a designação «9 Romances da Bahia», que passa a acolher, ainda, o poema «No cemitério de Santa Efigénia de Ouro Preto», que constituía a primeira parte da secção «O Segredo de Ouro Preto», com o título modificado.
Cláudia Cardoso in Nota Editorial.