Julga-se que Hamlet é, depois da Bíblia, a obra sobre a qual mais se escreveu. A trágica história do príncipe da Dinamarca é uma das mais longas tragédias de Shakespeare e a que mais tinta fez correr, tamanha é a força e o fascínio do seu herói. Só na World Shakespeare Bibliography indicam-se 14 115 artigos, capítulos, livros e antologias que mencionam Hamlet como palavra-chave.
É também quase consensual que seriam precisas múltiplas vidas para se dominar toda a literatura crítica sobre este texto de William Shakespeare, autor maior das letras universais, criador de personagens que transcenderam o seu tempo e a quem a Imprensa Nacional já dedicou um livro: O Essencial sobre William Shakespeare, de Mário Avelar.
A proliferação de interpretações sobre a peça sugere que estamos condenados a ler mal esta obra-prima, e que existe um Hamlet para cada pessoa. As páginas deste livro organizam-se em torno de grandes questões na peça e procuram dar acesso ao leitor ao que se sabe (ou não) sobre o texto.
Há tantos Hamlet quantos leitores. W. W. Greg demonstrou de forma persuasiva que o Fantasma é uma alucinação (1917), um produto da mente de Hamlet. Coleridge moldou Hamlet à sua pessoa (1774). Hegel recorreu ao Príncipe da Dinamarca para exemplificar a autonomia do espírito em Fenomenologia do Espírito (1807). Iris Murdoch, em The Black Prince (1973), parodia algumas leituras da peça, como as de Freud, que usou Hamlet para ilustrar o complexo de Édipo em The Interpretation of Dreams (1900). Mais ainda, existe um pré-Hamlet, um espectro do texto, vindo do passado, que parece preceder a escrita da peça por Shakespeare. Temos igualmente o conjunto de objetos díspares e de reações a que a peça deu origem. Aliás, pode-se considerar que as consequências culturais da escrita de Hamlet excedem a peça: Goethe criou o seu Hamlet em Werther (1774); Joyce invocou-o no famoso capítulo da biblioteca, em Ulisses (1922); Berlioz compôs a canção «A Morte de Ophelia» (1842) e Duke Ellington, «Madness in Great Ones — Hamlet» (1956), entre inúmeros outros exemplos.
Maria Sequeira Mendes, in O Essencial sobre Hamlet
Se é verdade que Hamlet é considerada uma das melhores (e piores) obras da literatura mundial, também é verdade que mantém hoje, como ao longo dos séculos, a capacidade de nos surpreender a todos. E se existe um Hamlet para cada pessoa, o que se encontra em O Essencial sobre Hamlet é o de Maria Sequeira Mendes, autora deste que é o nr.º 147 da icónica coleção da Imprensa Nacional, «O Essencial Sobre».
«O resto é silêncio.» (Hamlet, ato 5, cena 2)
Maria Sequeira Mendes é professora na Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa. Estudou na Universidade Católica de Lisboa e na Universidade de Lisboa. Entre 2005 e 2017 ensinou na Escola Superior de Teatro e Cinema, do Instituto Politécnico de Lisboa. Foi Beaufort Visiting Scholar em St John’s College, na Universidade de Cambridge. Escreveu The Ordeals of Interpretation (2020), e coedita o site de poesia e crítica Jogos Florais.