No dia dos namorados trazemos um poema de jovem apaixonado que, em 1916, escrevia o seu primeiro livrinho, Canto Matinal. No proémio ao livro pode ler-se: «Este livrinho é filho dos meus primeiros sonhos de Amor.» Por isso mesmo, «não o encarem os críticos sob o ponto de vista da técnica».
AMOR
Tardes, tardes de abril, ó manhãs perfumadas,
Ó sonhos de Luar, ó noites estreladas!
Dizei-me:
O sentimento ingente e salutar
Que faz rir um vergel e faz ver um altar
Em cada coração, como é que se apelida?
Essa luz refulgente, esse farol da vida,
Que nome tem?
— «Amor!
«Vê-se resplandecer num cálice de flor.
«Esse farol tem luz que dá prò Mundo inteiro;
«Cabe num serafim, na alma dum cordeiro;
«Abraça um rouxinol como abraça uma Ofélia;
«Desfaz-se em neve, em cal, nas pétalas da camélia.
«Pergunta-o ao Luar. Ele sabe o que é amor.
«Tem-no a vicejar no seu branco palor.»
— E o Sol?
— «Também.
«Foi Cupido seu pai, a Lua sua mãe.»
— Eu amo então assim. Eu sei o que é Amor,
Esse mago sentir que nos conforta a Dor.
Ainda ontem vi duas pombinhas mansas
A arrulhar, a arrulhar um sono de crianças.
Vi-as a conversar, a segredar baixinho
Uma doce ternura, um delirar de arminho.
Agora eu compreendo. Esse sentir jucundo
Há-o no Céu, na Terra, há-o por todo o Mundo!
Sei já o que sonhava esse casal de luz,
Branco como o Sentir, casto como Jesus.
Ele murmurava, langue, em todo o seu alvor,
Uma canção azul:
Amor!… Amor!… Amor!…
E é esse sentimento, é essa luz ideal
Que viceja na Flor, viceja no Chacal.
É esse almo prazer que está em toda a parte,
Ou em Riso, ou em Pranto, a inspirar a Arte.
E um dia haverá, um dia do Futuro,
Em que toda a miséria e todo o corpo impuro
Há de ser transmudado e só há de imperar
O que for bom e justo, o que sorrir e amar.
Serás então feliz, ó Mundo de Tortura!
Serás então feliz, que, em todo o seu vigor,
Hás de ver sobre ti esse vulcão:
O Amor!
Vitorino Nemésio, Poesia [1916-1940), págs. 29 e 40.