Importante pólo de construção de instrumentos de tecla que reuniu em Lisboa várias gerações da mesma família durante o século XVIII, a Oficina Antunes deixou-nos alguns dos únicos exemplares de tradição portuguesa que sobreviveram até aos nossos dias. Este livro, que conta com edição da Imprensa Nacional e do Museu Nacional da Música, debruça-se sobre o contexto que envolveu a construção de instrumentos de tecla num país que, à época, era tecnicamente sofisticado e nada alheio à conjuntura internacional.
A história da oficina Antunes começa com a vinda de Manuel Antunes (1703- -1766) da Porcalhota (incorporada atualmente na Amadora) para Lisboa.
Do seu estabelecimento em 1724, no Terreirinho da Cruz, na freguesia de Santa Catarina, até à derradeira morada na Rua Formosa (atual Rua de O Século), na freguesia das Mercês, numa propriedade do então futuro Marquês de Pombal, medeia o tempo de construção e afirmação da notoriedade dos mestres de fazer cravos e pianofortes desta família.
Entre a passagem de testemunho dos segredos oficinais de Manuel Antunes aos seus dois filhos varões, Joaquim José Antunes (1733-1801) e João Batista Antunes I (1737-1822), e a afirmação destes em oficinas separadas decorrem três reinados: D. João V, D. José I e D. Maria I.
Os dois primeiros reinados, marcados por um forte investimento régio na indústria nacional, criaram condições para a afirmação dos artesãos portugueses que se conseguiram destacar pelo seu génio inventivo. Contudo, o modelo corporativo português, protetor do artesão e virado essencialmente para o consumo nacional, não conseguiu competir com a produção dos países europeus industrializados. Tal como aconteceu com as artes oficinais portuguesas em geral, os mestres de fazer cravos e pianos resistiram à industrialização, que era para eles sinónimo do fim da sua arte e do seu estatuto social. No dealbar do século xix, a entrada progressiva e competitiva dos pianofortes e pianos estrangeiros em Portugal, com destaque para os instrumentos ingleses, franceses e alemães, faz soçobrar a construção de instrumentos portugueses.
A terceira geração desta família de construtores, constituída pelas oficinas do neto de Manuel Antunes, João Batista Antunes II (1790-1868), e de um parente colateral que foi discípulo de Joaquim José Antunes, José da Cruz Antunes I (1767-1845), sofreu o embate não só da abertura à importação de produtos estrangeiros, mas também do estabelecimento em Portugal de uma grande quantidade de concorrentes, provenientes sobretudo dos países germânicos, cujo modelo polivalente – eram simultaneamente músicos, artesãos, representantes de marcas estrangeiras e comerciantes – teve um efeito demolidor sobre a atividade dos artífices nacionais.
Os Antunes tentaram reagir e adaptar-se. João Batista Antunes II, neto do fundador, converteu a sua unidade oficinal em fábrica para aceder ao despacho livre das matérias-primas nas alfândegas, acumulou a atividade de construção de instrumentos com o negócio de móveis usados, com o aluguer de carruagens e com o trabalho de afinador do Conservatório Real de Lisboa. José da Cruz Antunes I, sobrinho-neto do fundador, escolhido pelo herdeiro da primeira oficina, Joaquim José Antunes, para seu aprendiz, optou por complementar a atividade de construtor com o comércio de vinhos e com a ligação à Casa Real como afinador.
Os dois caminhos seguidos proporcionaram aos seus descendentes resultados diferentes: João Batista Antunes II foi esmagado pelo acumular de dívidas e, como não teve descendência, a sua oficina não teve continuidade. José da Cruz Antunes I parece ter conseguido contornar a profunda crise económica provocada pela instabilidade política das lutas liberais e passar o testemunho aos seus dois filhos varões – José da Cruz Antunes II (1794-entre 1845 e 1850) e Fernando Bento de Campos Antunes (1807-dep. 1848), a quarta geração de oficinas Antunes. A sobrevivência desta geração, essencialmente dedicada à afinação e talvez à reparação de instrumentos, foi possível através da ligação à Casa Real, de casamentos vantajosos dentro do seu estrato social e do comércio
vinícola.
Contudo, estas duas últimas unidades oficinais não se prolongaram no tempo para além da fábrica/oficina do neto de Manuel, João Batista Antunes II. A sobrevivência económica dos netos de José da Cruz Antunes I deveu-se a empregos públicos em atividades que já nada tinham que ver com a construção de instrumentos musicais: Obras Públicas, Junta do Crédito Público e Correios.