Os Passeios do Sonhador Solitário – Conto e Libreto
Almeida Faria
Do desenho ao conto ao libreto. Há anos, depois dos quatro inquietantes desenhos que Mário Botas fez para quatro romances meus, lembrei-me de retribuir imaginando uma história sugerida por um quadro dele. Escolhi Mise au Tombeau pela possibilidade de exorcizar, no enredo que fui fantasiando, a descida aos reinos subterrâneos onde todas as civilizações situam os Infernos. Assim surgiram, vénia paródica a Les Rêveries du Promeneur Solitaire, as páginas de Os Passeios do Sonhador Solitário, um conto atravessado por deambulações algo alegóricas e alusões ao mundo dos mortos. Conhecendo o meu gosto pela música das palavras e pelas palavras musicadas, e encontrando ideias musicais em certas cenas de Os Passeios, Luís Tinoco teve a generosidade de me propor que transformasse este conto em libreto para uma obra coral sinfónica. A encomenda partira da Casa da Música, com a condição de integrá-la no seu projeto educativo envolvendo as crianças do Coro de São Tomé e de não ir além de dois solistas. A solução encontrada foi a forma cantata, para coro, cantora e narrador. Por um feliz acaso, a soprano Ana Quintans estaria disponível na data prevista, e a voz dela justificava inventar uma personagem, a Desconhecida, uma vez que, no conto, o único ser do género feminino é uma vaga e quase muda parente das sereias gregas. O que nos levou, ao Luís Tinoco e a mim, cúmplices nesta aventura, por novos e inesperados caminhos.