Nota biobibliográfica de Luís Augusto Rebelo da Silva por Maria de Fátima Marinho *
Luís Augusto Rebelo da Silva nasceu em Lisboa, na freguesia das Mercês, no dia 2 de abril de 1822, e faleceu, também em Lisboa, a 19 de setembro de 1871.
Logo em 1856, Ernesto Biester, no livro Uma Viagem pela Literatura Contemporânea, oferece-nos um retrato físico, acompanhado de um evidente juízo de valor:
É um homem de estatura mediana e porte modesto. As linhas da sua physionomia denunciam logo a origem arabe. Olhos pequenos, mas rasgados, vivos e penetrantes, nariz aquilino e tez morena. Os lábios delgados, fecham nos cantos por duas linhas que lhe dão uma expressão satyrica, e que segundo Lavater revelam d’algum modo o espirito epigramático e sarcástico que tão bem sabem verberar. A fronte larga e espaçosa deixa adivinhar a vasta intelligencia que ali reflecte. A cabeça pende-lhe ordinariamente sobre o peito, como inclinada sob o pezo das idéas, denotando ao mesmo tempo o espirito pensador e reflectido que o caracterisa. A sua figura não impõe; entre a multidão passará até desapercebida, confundindo-se com o vulgo, porque não fere a vista, nem chama a atenção; mas quando a alma se lhe derrama na physionomia, aquecida pelo fogo da palavra, quando esta lhe rebenta espontânea dos lábios, transforma-se. [Biester, 1856: 4.]
Em 1877, Bulhão Pato, em Sob os Ciprestes — Vida Íntima de Homens Ilustres, não se afasta muito da descrição anterior, embora acentue alguns pormenores mais íntimos:
Estatura mediana; débil, lymphatico; fronte espaçosa e abobadada, na forma da testa de Shakespeare, segundo representam o Eschylo inglez. Cabelo basto, excessivamente negro e fino. Olhos pretos, faiscando como dois brilhantes negros das mais finas aguas. Bôca voltairiana. […] Ainda na adolescência, o corpo acurvava-se, como se estivesse na senectude. Tinha o vicio de Bocage: roía desesperadamente as unhas. A sua physionomia, olhada perfunctoriamente, parecia vulgar, estudada com atenção era a physionomia de um homem superior. [Pato, 1877: 239-240.]
Estabelecido o aspeto físico, passamos a apresentar os dados mais importantes da existência do escritor.
Em 1838, com 16 anos, Rebelo da Silva faz parte da Sociedade Escolástico-Filomática, onde o seu talento de orador dá nas vistas, apesar de Teófilo Braga sustentar que «o brilhantismo da phrase encobria a falta de estudo dos caracteres, dos costumes, e das grandes leis da civilização moderna» (Braga, 1892: 120).
No Cosmorama Literário, órgão da Associação, faz o autor a sua estreia como escritor. Em 1840 (ou 1839, como escreve Inocêncio da Silva) entrou para a Universidade de Coimbra, «estudando o primeiro anno mathematico e philosophico, e provando n’elle a mais decidida repugnância pelas sciencias exactas, e mais ainda, póde ser, pela disciplina das aulas, regulada pela corda do sino» (Silva, 1860: 229).
Por isso, quando, em 1841, é obrigado a interromper os estudos devido a uma grave doença pulmonar, regressa a Lisboa para nunca mais voltar a Coimbra. De 1843 a 1865 tem grande atividade como colaborador da imprensa, destacando-se a sua participação nos seguintes periódicos: O Cosmorama Literário, Revista Universal Lisbonense, Época, Panorama, Revista Peninsular, Anais das Ciências e Letras, Arquivo Pitoresco, Arquivo Universal, Revista Contemporânea. Filiado no partido cartista, passa, em 1845, a redator do Diário do Governo e é, no mesmo ano, eleito sócio do Conservatório. É ainda em 1845 que é nomeado oficial ordinário do Conselho de Estado, tornando-se «secretario interino do mesmo conselho em 1849» (Biester, 1856: 38), de onde se demitiu em dezembro desse mesmo ano.
Em 1846, é nomeado fiscal do Teatro de D. Maria II e em 1848 é, pela primeira vez, eleito deputado. Dos seus discursos no Parlamento, destacamos a estreia oratória, como membro da oposição, sendo Garrett um dos ministros do Governo (cf. Pato, 1877: 240‑241).
Biester refere que, em 1852, ele e Garrett se digladiaram verbalmente: «Era um duelo magnifico em que os louros da victoria coroavam um e outro, repartindo-se por ambos. Nunca o verbo colorido e imaginoso subiu tão alto, e a poucos será dado igualá-lo.» (Biester, 1856: 16.)
Entra em 1854 para a Academia Real das Ciências e faz, nesse ano, o elogio fúnebre de Garrett: «Nunca a saudade do amigo arrancára mais sublime vôo á melancholica e solemne eloquência dos túmulos! N’aquella dôr houve uma sublimidade sem esforço, porque gemeu no fundo de alma, antes que o talento o tomasse nas azas douradas da inspiração.» (Ferreira, 1871: 62.)
Inocêncio da Silva refere que nos «Almanachs de Portugal para 1855 e 1857 [se] lê que é condecorado com a comenda da Ordem de Christo» (Silva, 1860: 229), embora transcreva de imediato uma passagem daquele que Inocêncio, sem identificar, chama «um dos seus biógrafos», e que é Ernesto Biester, onde este afirma que Rebelo da Silva nem pediu nem aceitou essa honraria (Biester, 1856: 39).
Em 1858 é nomeado professor de História no Curso Superior de Letras e, no ano seguinte, membro do Conselho da Ilustração Pública. Em 1869, estava na Câmara dos Pares, onde fez alguns dos seus mais importantes e veementes discursos (cf. Pato, 1877: 256-265), sendo nomeado Ministro da Marinha. Gravemente doente, o gabinete ministerial é reformulado e ele retira-se para a sua casa do Vale de Santarém; agravando-se a doença, regressou a Lisboa, onde viria a falecer, a 19 de setembro de 1871, de um aneurisma da aorta.
José Maria de Andrade Ferreira transcreve a alocução do Marquês de Ávila:
Sr. Presidente, pedi a palavra para cumprir a triste e dolorosa missão de participar a V. Ex.ª e á camara, que o nosso ilustre colega, o sr. Rebello da Silva, um dos ornamentos d’esta camara, e uma das glorias d’este paiz, deixou de existir esta manhã, e tem de ser sepultado ámanhã ás doze horas do dia. [Ferreira, 1871: 65.]
Bulhão Pato tece-lhe os maiores elogios fúnebres: Havia sido jornalista, orador, romancista, historiador, cathedratico e homem de estado, porque o maior e melhor ministro da marinha – pelo seu largo alcance de vista – foi elle. Era uma das mais bellas cabeças que tem gerado Portugal, e um dos melhores corações que tenho conhecido. [Pato, 1877: 265.]
Resumindo, Rebelo da Silva teve uma grande atividade literária, jornalística, política e de historiador. Hoje ele é sobretudo conhecido como historiador e romancista, apesar de críticas negativas, como as de Fidelino de Figueiredo, que o qualifica como «um impressionista leviano, um espírito de pouco mais ou menos, que nos seus juízos se contenta com as aproximações de gosto pessoal» (Figueiredo, 1917: 119).
Esta apreciação negativa está na esteira da formulada por Teófilo Braga, que lhe chama medíocre, improvisador de romances históricos e com uma «ignorância completa do espírito da Edade-média» (Braga, 1892: 121).
Contos, romances e dramas
Rausso por Homízio (1842-43).
Ódio Velho não Cansa (1848).
A Mocidade de D. João V (1851-52).
A Mocidade de D. João V (com a colaboração de Ernesto Biester), comédia-drama em cinco atos (1856).
Contos e Lendas (1860).
Lágrimas e Tesouros (1863).
A Casa dos Fantasmas (1865).
De Noite Todos os Gatos São Pardos (1871, póstumo).
Outras obras
Fastos de Igreja: história da vida dos santos ornamentos do cristianismo (1854).
Memória Biográfica e Literária acerca de Manuel Maria Barbosa du Bocage: do caráter das suas obras, e da influência que exerceu no gosto e nos progressos da poesia portuguesa (1854).
História de Portugal nos Séculos XVII e XVIII (1860).
Memória acerca da vida e escritos de D. Francisco Martinez de la Rosa (1862).
Elogio Histórico de Sua majestade el-rei D. Pedro V (1863)
*Nota biobibliográfica publicada em A Mocidade de D. João V, Imprensa Nacional, 2020