A revista O Arqueólogo Português, fundada em 1895 por José Leite de Vasconcelos, constitui-se como uma obra de referência na área da Arqueologia Portuguesa sendo, em Portugal, a mais antiga publicação periódica sobre a temática.
Na atualidade, e decorrendo de uma parceria entre a Imprensa Nacional e o Museu Nacional de Arqueologia, a revista, de periodicidade anual, é uma obra de cariz científico e multidisciplinar, onde são apresentados ensaios de reputados autores nacionais e estrangeiros.
Lívia Cristina Coito coordena a presente publicação (volume 6/7 da Série V), referente a 2016-2017.
Recorde aqui um pequeno excerto da entrevista que António Carvalho (AC), diretor e fiel guardião do Museu Nacional de Arqueologia, concedeu ao Prelo (P), em 2015, a propósito desta histórica ligação que une a editora pública ao Museu Nacional de Arquelogia:
«(…) P — O Museu Nacional de Arqueologia (MNA) e a Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM) celebraram, em 2011, um protocolo de cooperação pelo qual a INCM volta a ser a editora do MNA, como no tempo de José Leite de Vasconcelos. Que vantagem vê nesta parceria?
AC — Em primeiro lugar, uma vantagem histórica. O MNA é um museu feito por Leite Vasconcelos, proposto por Leite Vasconcelos, em 1893, como Museu Nacional. O MNA é construído com o projeto de museu nacional. Há uma ideia que o Dr. Luís Raposo, meu antecessor no cargo, desenvolveu muito, que é a ideia do museu-resposta ao Ultimato Inglês. Um museu que se vem afirmar por exaltação da identidade nacional. O Ultimato Inglês dá-se em 1890, e o museu é de 1893. Portanto, o museu que está a maturar na cabeça de Leite Vasconcelos surge como resposta ao Ultimato Inglês. E Bernardino Machado, ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria do rei, concretiza-o. E assim o museu aparece como projeto de museu nacional, para tratar o presente etnográfico e o passado arqueológico. Ora, sendo José Leite Vasconcelos uma figura marcante da cultura portuguesa nessa época e ao longo da primeira metade do séc. XX, e sendo autor da INCM, é normal que tivesse pensado que era a INCM a editora ideal, o local próprio — eu insisto neste conceito — para que as publicações, nomeadamente o órgão oficial do Museu, O Arqueólogo Português, ficasse ali «amarrado». E a editora do Estado ser a editora do museu nacional — o museu que surge como museu nacional: o Museu Etnográfico Português, depois Museu Etnológico e depois Museu Nacional de Arqueologia — é, realmente, extremamente relevante. Esta questão tem que ser vista numa dupla dimensão, face ao Leite e à sua obra. O Leite é autor de muitas outras obras, publicadas antes e depois de o Museu Nacional de Arqueologia existir, ligadas à INCM.
Estamos a pensar provavelmente só em arqueologia, nesta conversa. Mas não devemos.
P — Etnografia, certamente?
AC — Sim, etnografia portuguesa. Há muitas obras que são publicadas na Imprensa Nacional, a partir de 1895, data em que Leite Vasconcelos publica o primeiro volume de As Religiões da Lusitânia. Por um lado, é um autor da INCM. Por outro lado, O Arqueólogo Português, como publicação de referência, é uma das mais antigas publicações de arqueologia da Europa.
P — Trata-se de uma publicação centenária.
AC — É uma publicação centenária. Uma publicação de referência ligada à INCM, e que vai servir de base à constituição da biblioteca especializada que o Leite acredita que o museu tem que ter para, com O Arqueólogo, se estabelecer um sistema de permutas internacionais. São coisas que para nós, hoje, são de uma normalidade quase banal, mas que são muito avançadas para a época — o Leite idealiza um modelo em que, por um lado, a editora do Estado imprime a obra magna da arqueologia; e, por outro lado, isto permite-lhe constituir a biblioteca a partir das permutas internacionais que faz com O Arqueólogo Português. Hoje a INCM edita um Arqueólogo (o suplemento, que é uma coisa recente; mas na altura é O Arqueólogo, 1.a série), presente em muitas bibliotecas onde está referida a INCM, graças ao sistema de permutas que o Leite Vasconcelos cria. Portanto, a ligação à Imprensa Nacional é: o museu que ele idealiza como museu nacional ligado à editora do Estado; editora do Estado de que ele vai passar a ser autor a partir de 1895 com As Religiões da Lusitânia. Três das obras principais de Leite Vasconcelos estão na Imprensa Nacional: As Religiões da Lusitânia, 3 volumes, que vocês inclusive já (re)editaram nos anos 1980, se não me falha a memória; A Etnografia Portuguesa; e O Arqueólogo Português. E depois todas as outras. Coisas normais, como Cartas [de Leite de Vasconcelos] a Francisco Martins Sarmento, seu mentor. Mas também na medalhística: Sete Medalhas da Guerra Peninsular, Medalha da Sociedade Económica de Ponte de Lima; na numismática: Inventário das Moedas Portuguesas da Biblioteca Nacional ou Elenco das Lições Numismáticas dadas pela Biblioteca Nacional. Ou uma obra muito interessante dele: De Campolide a Melrose, relação de uma viagem de estudo (filologia, etnografia, arqueologia); ou Pelo Sul de Portugal — Baixo Alentejo e Algarve; ou De Terra em Terra, excursões arqueológico-etnográficas, através de Portugal do norte, centro e sul, de 1927.
P — O que representa hoje esta revista para a arqueologia?
AC — Temos que analisar O Arqueólogo Português sob dois pontos de vista. Perspetiva n.o 1: é uma publicação que surge em 1895, e funciona como arquivo de memória da arqueologia portuguesa, como repositório. Há bases de dados, setoriais ou nacionais — feitas posteriormente, já na época contemporânea — em que O Arqueólogo Português é citado milhares de vezes. Era a grande revista onde publicava o Museu Nacional, dirigida por esse homem até 1929; depois dirigida pelo Prof. Manuel Heleno; mais tarde por D. Fernando de Almeida; e depois continuada por todos os outros diretores: o Dr. Francisco Alves, já no pós-25 de Abril; o Dr. Luís Raposo; e agora continua comigo.
Claro está que, quando olhamos para o séc. XIX ou para o início do séc. XX, a revista funciona como arquivo histórico da arqueologia, como repositório. Quando olhamos agora para épocas mais recentes, em que há mais revistas, vemos que O Arqueólogo Português disputa o espaço com outras revistas. Todavia, os autores ainda gostam de ali publicar. O Arqueólogo Português está neste momento, sob minha orientação e com uma equipa do próprio Museu, a implementar um sistema de peer review para que possa ser um espaço disputado, incluindo, obviamente, a questão da discussão interpares para que tenha mais reconhecimento, mais credibilização. (…)»