há uma paragem no final de cada estação
onde os dedos hesitam e as mãos incompletas
se abrem de vazias, a pele fria e outra.
e tão-pouco pode a canção, se o céu se esgota
e a planície outrora habitada de sons
é já abismo de nomes, falésia cega de vida.
entoamos o murmúrio antigo dos cereais,
a velocidade dos esquilos, o enigma das pedras,
porém é desacerto dormir fora da noite.
é verdade que não disseram que viria a existir
este solo gasto, este território de espuma morta,
nunca se imaginou o mar desfeito de azul e ritmo,
nunca se quis a voz estrangeira por berço.
haveria pureza, entende-se, se o tempo fosse único,
se a montanha não rachasse a terra, a boca o corpo,
assim como não se concebeu um acampamento de estrelas
fora da humana trajectória — e isto sim está certo.
entre os mundos detecto a estranha forma dos anos
que vêm a ser os nossos, os meus, onde eu procuro caber,
e não só caber como exceder, infringir, ser louco
à revelia do rosto, explodir como uma vogal.
porque se descobrirá o tamanho desta lágrima breve,
porque o verso está grávido do poema e o poema
de todo o mundo possível, e todo o mundo possível
aponta para a completude dos braços que não fechamos.
auscultamos as portas e as casas serão sempre imprevisíveis.
por isso me deito sobre tudo quanto amei
e, ao cair a gota de luz no silêncio onde vou nascer,
escolho a margem, a fronteira, a idade redonda de um lírio.